Devemos defender o Conservadorismo exacerbadamente?

Quando pensamos na Igreja, não podemos pensar num grupo homogêneo de pessoas, como uma fábrica ideológica, que lava o cérebro dos seus membros, ao ponto de serem idênticos em todas as esferas da vida.

As ideologias fazem isso, procurando que seus membros sejam reconhecidos como comidas de cadeias de fast-food: não importam de onde são, para onde vão ou o contexto histórico, eles devem repetir o padrão, e os consumidores devem aceitar o produto do jeito que é, somente alterado pelos líderes do movimento.

O cristianismo vive de um diálogo constante entre o Evangelho e a cultura, gerando respostas e movimentos diversos, em contextos diferentes por causa da realidade de cada um. Obviamente sem alterar o conteúdo, mas mudando a maneira como ele é apresentado e vivenciado, de tal maneira que Deus seja glorificado na cultura onde seus filhos convivem.

A cultura é a manifestação da Imago Dei, da diversidade de um Deus multiforme, que se manifesta de muitas maneiras para que o homem o conheça, o ame e o sirva em adoração reverente. Da mesma forma, a cultura é uma manifestação do pecado do homem, porque ela se diversifica em Babel, onde Deus castiga o ser humano em sua rebelião contra o Criador, evitando a criação de uma cultura única, onde o Homem seria o Senhor de todas as coisas.

Aliás, Babel foi a primeira tentativa do homem por criar uma homogeneidade de pensamento e ação, de tal forma que seria impossível diferenciar um ser humano do outro. A uniformização do pensamento nasce do pecado e não glorifica a Deus, porque Ele nos criou diferentes e variados, para que nas nossas divergências e carências existisse a necessidade da comunhão, da participação e da interação com o próximo.

Em alguns países, tanto na África como no Caribe Latino-americano por exemplo, o louvor ao Senhor se faz com alegria, até com movimentos, danças e palmas; em países mais frios, por outro lado, se adora ao Criador na tranquilidade, com música mais "sacra" e com silêncios. Uma não é melhor do que a outra, pelo contrário, devemos aprender a adorar do jeito que o nosso irmão o faz, para que na nossa diversidade, possamos nos alegrar uns com os outros e desfrutar da multiforme graça de Deus.

A cultura nos ajuda a pregar o Evangelho, a ser entendido pelos nossos ouvintes, a transmitir a mensagem com os códigos e linguagens aceitos, para que todos possam entender. Por isso, desde Pentecostes, vemos que a tradução do Evangelho na língua das pessoas nunca foi opção, mas necessidade. E o idioma cria vínculos culturais.

Entendemos, por outro lado, que o Deus das Escrituras, assim como a própria Bíblia são supraculturais, quer dizer, Deus, sendo Eterno e Imutável, não precisa da cultura humana para subsistir, se relacionar com o homem; e sua Palavra, sendo sua Auto Revelação, obedece ao mesmo padrão (embora ela foi escrita em contextos históricos e socioculturais que influenciaram a vida dos seus autores humanos). 

A Revelação de Deus é o padrão onde toda cultura deve ser julgada, assim haverá aspectos que serão preservados e outros rejeitados, tudo de acordo com o juízo que a Escritura nos dá. Por isso, podemos ir na Igreja sem a necessidade de vestir paletó e gravata, ou podemos mudar os dias e horários de culto de acordo com a realidade de cada cidade ou bairro, para dar a oportunidade para que todos possam ouvir a Palavra de Deus. Com essa mesma liberdade, rejeitamos aspectos da cultura que são contrários aos mandamentos bíblicos, e clamamos o arrependimento dos pecadores para voltar a Deus e assim, sendo transformados pela ação e poder do Espírito, viver a novidade de vida que nos é dada em Cristo.

Isso vale para o judeu, o romano, o grego, o brasileiro, o venezuelano, o europeu, quem for, porque a Bíblia está acima de todas as culturas.

Todo movimento ideológico tenta responder questões soteriológicas e escatológicas, por isso eles podem ser avaliados como credos ou postulados de fé. Eles acreditam salvar a humanidade e, ao mesmo tempo apontam para uma esperança presente e futura, garantindo as melhores condições de vida, e um futuro promissor. São religiões humanistas que tentam penetrar no cristianismo influenciando a cosmovisão cristã ao ponto de querer interpretar a fé.

Como cristãos, devemos ter um pensamento crítico contra os movimentos que imperam na sociedade, inclusive com aqueles que concordamos, porque não podemos, em nome deles, revestir a nossa fé de uma roupagem que uniformiza a fé a uma ideologia, tornando os crentes homogêneos quanto a pensamentos ideológicos. Sendo a Igreja um Corpo amplo, onde há lugar para os debates, o intercâmbio de ideias e filosofias que caibam dentro da diversidade de vidas e manifestações de fé, nos limites impostos pelas Escrituras.

Com isso em mente, vale a pena perguntarmos sobre o que é o conservadorismo, e se realmente podemos associar o cristianismo a esse movimento cultural?

Se entendermos o Conservadorismo desde o ponto de vista do coletivo no Brasil (que é o ponto que quero discutir) não há dúvida que tem muitos dos elementos que esperamos do cristianismo: preservação do conceito de família, liberdade religiosa e de consciência, e aspectos similares. Mas, há alguns aspectos que vale a pena pensar:

  • Alguma vez o Brasil foi uma nação que viveu o Evangelho de maneira integral, sendo parte primordial da sua cultura de uma forma bíblica, sadia e profunda, trazendo um movimento de conversão real e transformador da sociedade? Se a resposta for negativa, não podemos defender totalmente voltar para uma cultura que nunca existiu.
  • Os princípios que o conservadorismo prega são os princípios da sociedade brasileira? Porque se não é assim, não há nada a conservar, pelo contrário, temos muito a transformar!
  • O Evangelho prega uma adoção do cristianismo como molde cultural para o não convertido ou para uma nação pela força de um decreto vindo de alguns dos Poderes Constituídos? Eu não vejo isso nas Escrituras, pelo contrário, vemos que a força do cristianismo vem do Poder do Espírito, transformando corações e acrescentando essas vidas na comunidade de Deus, a Igreja.
  • O conservadorismo não seria outra forma de pregar a salvação pelas obras? "Somente os conservadores são os verdadeiros cristãos", não é isso uma forma moderna de farisaísmo? A salvação vem por Cristo, sua obra na cruz, e não pela observância da Lei. Acho que uma leitura de Gálatas pode nos ajudar muito. O cristianismo prega obras como resultado da fé em Cristo, e não o contrário. A ordem dos fatores altera o resultado eterno!
  • O movimento conservador se fundamenta no cristianismo? Os mais badalados promotores do conservadorismo no Brasil se baseiam no pensamento grego e no cristianismo como pedras fundamentais da nossa cultura, o que iguala dois movimentos que chocaram entre si nos começos da Igreja de Jesus.
  • O movimento conservador salvará o Brasil? Até onde a minha Bíblia me permite ver, a salvação é através de Jesus e nada poderá se colocar acima ou igual a Ele. Isso é idolatria pura e uma afronta a cruz e a obra redentora de Jesus. Posso até me arriscar a dizer que isso beira a heresia.
  • O movimento conservador pode criar uma cultura resistente ao Evangelho. Pessoas culturalmente éticas, mas espiritualmente mortas, apresentam dificuldade em aceitar o Evangelho, porque para eles, suas obras são suficientes para salvação. Uma Igreja que abraça o moralismo tem dificuldade em pregar o pecado, entrando num problema similar de fundo com os que pregam a TMI: que a pessoa entenda que o que nos separa de Deus não é o que fazemos, mas o que somos: pecadores excluídos da graça do Pai, portanto a salvação nunca será por mérito, mas pela graça.

Com o anteriormente exposto, me permita esclarecer algo para concluir. Eu creio que a Igreja, nos seus princípios bíblicos eternos, é conservadora no sentido de que ela preserva o ensino e doutrina apostólica. Essa manutenção é o que devemos conservar, preservar, transmitir, pregar e ensinar nos púlpitos, nas casas, na rua, no trabalho, na escola e onde estivermos.

Não fomos chamados a pregar cultura. O nosso chamado é pregar Cristo como a única esperança para o nosso Brasil e o mundo. Não precisamos de uma nação que tenha princípios cristãos (embora seja desejável, obviamente!) para pregar o Evangelho, precisamos de uma Igreja que pregue sem se importar quem está em Brasília. Não precisamos nos associar ao movimento conservador para pregar a transformação que o Espírito dá, porque ela vem do coração, do encontro com Cristo, do arrependimento.

Soteriologica Escatológicamente a Igreja prega Cristo como Salvador e Rei. Isso deve ser inegociável, apesar das nossas inclinações ideológicas. Devemos exaltar o Rei dos Reis sobre toda tribo, língua e nação. Da mesma forma, como Igreja, temos que submeter todo pensamento e fortaleza a Cristo, porque Ele é o Salvador, o Redentor e o Libertador.

Ideologicamente, tenho uma inclinação conservadora, mas sou crítico dela porque entendo que ela não é suficiente para salvar à nação. Os pontos expostos anteriormente são um resumo de conversas com amigos, irmãos na fé, que compartilham as mesmas preocupações que tenho de criar uma mistura perigosa entre o conservadorismo e a fé. Porque nunca tivemos avivamentos assim e não podemos hoje pensar que o Brasil mudará se efetivamente o conservadorismo se implementar em Brasília.

Não busquemos uniformizar o Brasil a um pensamento ideológico. A nossa nação precisa de um encontro com Jesus, para que, dentro da nossa diversidade, possamos viver o Evangelho de maneira digna e maravilhosa, glorificando a Deus nas nossas vidas, ações e palavras, com todo o nosso ser.

Que haja em nós o mesmo desejo do apóstolo Paulo.

1Co 2:2  Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado.

Que Deus tenha misericórdia de nós, e nos abençoe

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