A hora da reconciliação - a cruz como elemento de união



A Igreja do primeiro século não era uma comunidade homogênea, ela esteve composta por judeus, galileus, samaritanos, judeus helênicos e gentios no geral. O que gerou conflitos na hora de entender como encaixar todas as diferenças culturais e comportamentais dentro do Corpo de Cristo.

Houve um pequeno conflito em Atos 6, quando os judeus helênicos se queixaram de que estavam sendo desatendidos na distribuição da ajuda às viúvas. A solução foi estabelecer uma equipe que se encarregasse disso de uma maneira exclusiva, atendendo as mesas e as necessidades de todos, enquanto os apóstolos ficavam na proclamação do Evangelho (3-4). Quando Pedro pregou na casa de Cornélio, e o Espírito desceu sobre os ouvintes, o apóstolo foi chamado a uma espécie de sabatina, para se explicar como é que o judeu foi na casa de um gentil e romano, além de centurião, para pregar o Evangelho, a surpresa deles foi pelo fato de eles terem recebido o Espírito, o que demonstra o grau de preconceito da época (11.18).

Antes disso, o Evangelho tinha chegado a Samaria, não pela boa vontade dos judeus, mas pela perseguição de Saulo (8.4-25), tendo a Filipe como o primeiro evangelista entre os "pagãos e amaldiçoados" samaritanos. Esse mesmo Filipe, dirigido pelo Espírito, vá para o deserto que comunica as cidades de Jerusalém e Gaza (o que hoje é parte do território da OLP) para pregar a um eunuco e prosélito etíope que estava lendo o livro do profeta Isaías. Na conversa que tiveram, o eunuco creu no Evangelho e foi batizado pelo Evangelista (8.26-40), o que fez que uma Igreja fosse levantada entre os etíopes.

Com Paulo, a Igreja quebra as barreiras e chega à comunidade gentil na Ásia Menor e na Europa. Depois da sua primeira viagem, e com o avanço de outras frontes evangelísticas nas comunidades gentílicas, foi realizado o Concílio de Jerusalém com a finalidade de saber qual seria o relacionamento entre a Igreja de Jerusalém e as novas comunidades abertas no mundo inteiro. A solução esteve no discurso de Tiago, dando a proposta na Assembleia.

Depois que eles terminaram, falou Tiago, dizendo: Irmãos, atentai nas minhas palavras: expôs Simão como Deus, primeiramente, visitou os gentios, a fim de constituir dentre eles um povo para o seu nome. Conferem com isto as palavras dos profetas, como está escrito: Cumpridas estas coisas, voltarei e reedificarei o tabernáculo caído de Davi; e, levantando-o de suas ruínas, restaurá-lo-ei. Para que os demais homens busquem o Senhor, e também todos os gentios sobre os quais tem sido invocado o meu nome, diz o Senhor, que faz estas coisas conhecidas desde séculos. Pelo que, julgo eu, não devemos perturbar aqueles que, dentre os gentios, se convertem a Deus, mas escrever-lhes que se abstenham das contaminações dos ídolos, bem como das relações sexuais ilícitas, da carne de animais sufocados e do sangue. Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados. (Atos 15:13-21)

A resposta de Tiago foi excelente, por vários aspectos.
  1. Inicia enfatizando que o Evangelho é para todos os povos, e não somente para os judeus.
  2. Ele reconhece as diferenças culturais entre os povos, pedindo que não sejam impostas costumes judaicos aos gentios.
  3. Estabelece pontos de concordância no aspecto moral e ético: o cristianismo respeita a cultura, mas ela fica submetida ao senhorio de Cristo.
A carta gerada no Concílio foi um ponto de alegria para todos.
escrevendo, por mão deles: Os irmãos, tanto os apóstolos como os presbíteros, aos irmãos de entre os gentios em Antioquia, Síria e Cilícia, saudações. Visto sabermos que alguns [que saíram] de entre nós, sem nenhuma autorização, vos têm perturbado com palavras, transtornando a vossa alma, pareceu-nos bem, chegados a pleno acordo, eleger alguns homens e enviá-los a vós outros com os nossos amados Barnabé e Paulo, homens que têm exposto a vida pelo nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Enviamos, portanto, Judas e Silas, os quais pessoalmente vos dirão também estas coisas. Pois pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor maior encargo além destas coisas essenciais: que vos abstenhais das coisas sacrificadas a ídolos, bem como do sangue, da carne de animais sufocados e das relações sexuais ilícitas; destas coisas fareis bem se vos guardardes. Saúde. Os que foram enviados desceram logo para Antioquia e, tendo reunido a comunidade, entregaram a epístola. Quando a leram, sobremaneira se alegraram pelo conforto recebido. Judas e Silas, que eram também profetas, consolaram os irmãos com muitos conselhos e os fortaleceram. (Atos 15:23-32)

Mesmo assim, os problemas continuaram, as cartas aos Romanos, Coríntios, Gálatas, Efésios e Colossenses mostram até que ponto havia o desejo de impor uma linha de pensamento judaico dentro da Igreja: obrigando aos gentios a guardarem a Lei, os rituais e datas comemorativas eram impostas como necessárias, incluindo a circuncisão.

Qual foi a solução de Paulo? A cruz de Cristo!

Para Paulo, a solução aos conflitos na Igreja se encontravam na cruz, onde Deus nos uniu e reconciliou, em primeiro lugar consigo mesmo, e em segundo lugar com o próximo (Efésios 2). A importância da cruz, como elemento de reconciliação com Deus e com o próximo é chave para o entendimento de como podemos vencer as diferenças levantadas dentro da nossa sociedade, muros que se levantam para separar dentro da comunidade de fé, que impedem que a vida de Cristo se torne poderosa no meio de nós.

A mensagem do Evangelho é uma mensagem de reconciliação, porque aproxima Deus do homem pecador. O Pai oferece o Filho como oferta de perdão e reconciliação, tomando o lugar do pecador; sofrendo o castigo que Ele não merecia, mas que era nosso, e assim, nos deu a Paz, porque Sua justiça passou a ser de todo aquele que se aproxima pela fé, confessando seus pecados.

Ao mesmo tempo, o Evangelho reconcilia povos irreconciliáveis, porque na cruz as diferenças de nacionalidade, cor, língua, origem, são vencidas porque temos um só Pai, Deus. Na cruz, somos adotados como filhos de Deus, estamos unidos a Cristo, e pelo Espírito clamamos "Abba, Pai" porque Sua presença em nós é a garantia dessa adoção (Gálatas 4.4-7; Romanos 8.15-17).

O entendimento de sermos um corpo em Cristo, uma mesma família unida por adoção pela Graça, deve encher o nosso coração de humildade e amor pelo próximo. A unidade da Igreja é uma unidade cara, porque teve o preço do sangue do Filho de Deus.

e entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação e para o nosso Deus os constituíste reino e sacerdotes; e reinarão sobre a terra. (Apocalipse 5:9-10)

Lembremos da nossa unidade como Corpo, que nasce em Cristo e se manifesta a todos

Rogo-vos, pois, eu, o prisioneiro no Senhor, que andeis de modo digno da vocação a que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor, esforçando-vos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz; há somente um corpo e um Espírito, como também fostes chamados numa só esperança da vossa vocação; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos. (Efésios 4:1-6)

E por último, lembremos da oração de Cristo.

Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste. (João 17:20-21)

Fomos reconciliados em Cristo, membros do Seu Corpo, unidos a Ele pelo Espírito, e por isso somos Filhos do Pai por adoção. Tudo feito pela graça e misericórdia do Deus Trino, para que sejamos um reflexo dessa união ao mundo, porque será assim que eles crerão: ao contemplarem a nossa unidade e amor como corpo.

Vivemos numa hora de trevas e divisão: o mundo hoje deseja dividir a humanidade em bandos: maiorias, minorias, supremacias, ideologias, conflitos, dividindo pela cor da pele, pela condição social, pelo ter, pelo desejar, por desejar a vida ou a morte de outros. Tudo isso vem borbulhando de uma raiva satânica, que procura o subjugar do outro, da perca da liberdade, da destruição da nossa sociedade.

Como cristãos, somos chamados a um chamado mais elevado. Não somos chamados a dividir, mas a unir. A olhar para o próximo, não em função das diferenças, mas em função do que somos: homens e mulheres criados a imagem e semelhança de Deus, caídos por causa do pecado e indignos da cidadania do céu. Mas que em Cristo somos todos chamados à reconciliação, uma reconciliação horizontal que é gerada quando verticalmente me encontro com o Pai em Cristo.

Como cristãos, não somos chamados a criar contendas nem participar das obras que procuram aprofundar a divisão social dentro da sociedade. Somos chamados a reconciliar. Um cristão será, dentro da sua comunidade, um elemento conciliador e de aproximação dos contrários, mostrando que o que precisamos está em Cristo e não nas opiniões ou ideologias humanas.

Queremos vencer o racismo e a discriminação social da sociedade? Pois é hora de proclamar Cristo e a reconciliação plena entre Deus e o homem! Parece a coisa mais fácil, mas se olharmos para a Bíblia entenderemos que é o único caminho. Porque em Cristo, o passado não nos marca nem condiciona, mas a nova vida, o novo nascimento. O passado fica para atrás, as feridas são saradas e o perdão brota generoso num coração que experimenta o perdão divino.

É a manifestação do poder de Cristo.

Sejamos ministros da reconciliação, assim como Paulo escreveu aos coríntios.

E, assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas. Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus. Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus. (2 Coríntios 5:17-21)

Seja um ministro da reconciliação!

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