Como entender o que acontece na Venezuela?

Maracay, 23 de Janeiro de 2019

A Venezuela nos últimos anos tem sido notícia no Brasil, e os "analistas" entrevistados sempre dão uma visão um tanto difusa do que acontece lá por desconhecimento da nossa história, ou porque usam um viés doutrinário nas suas declarações.

Mas não quero me estender muito, assim que vou direto ao assunto.

No dia 23 de Janeiro, o Presidente da Assembléia Legislativa da Venezuela se juramentou Presidente Encarregado da República citando os Artigos 233, 330 e 350 da nossa Constituição. Então somos um país com dois Poderes Executivos (Guaidó-Maduro), Dois Legislativos (AL e a ANC) e Dois Judiciários (TSJ no exílio e o TSJ de Caracas). Uma situação inédita na nossa história republicana.

Como chegamos a este ponto?

Muitos vão falar que a pressão internacional exercida pelos EEUU, o Brasil e o Grupo de Lima renderam frutos, e eu vou discordar disso.

Trump já tem dois anos no exercício da Presidência, e além das sanções impostas a pessoas vinculadas ao Governo que iniciaram no Governo de Obama, nada foi feito até agora. Bolsonaro tem menos de um mês e sua eleição foi vista com ceticismo dentro da oposição por se tratar de um militar da denominada "extrema direita", porque assim tem sido catalogado pela mídia ao redor da Hispano-América, e fomos - minha família e eu - interrogados pela família, parentes e amigos na Venezuela e fora dela a respeito da eleição do Bolsonaro como Presidente (a Venezuela tem uma tradição social-democrata, e não de direita). Assim que ele primeiro deve "lavar sua imagem" antes de ter um peso dentro da política do meu país.

Por isso a importância da visita de Macri ao Brasil, e depois aparecer junto com Duque em Davos. Em ambos os casos pouco ele falou, mas deu respaldo com sua presença a uma mudança democrática no país.

Dai que, os últimos acontecimentos foram o resultado da posse de Maduro como Presidente no dia 10 de janeiro, numas eleições que foram catalogadas como "fraude" pela oposição e por uma boa parte da Comunidade Internacional, incluindo o Brasil (e Bolsonaro ainda não era Presidente quando isso aconteceu). Esse vazio lembrou aos venezuelanos o Plebiscito que Marcos Pérez Jiménez fez no ano de 1957 para se perpetuar no poder, e que levou no 1ero de Janeiro a um alçamento da Força Aérea para terminar com o chamado a paralisação nacional no dia 20, e a posterior saída do Ditador no dia 23 de Janeiro de 1958.

Por isso, essa data não foi escolhida à toa. Ele representa para nós o nascimento da democracia.

Os "Cabildos Abiertos" (legislar fora do recinto do Parlamento, uma prática que vem desde a época da Colonia e estabelecida na Constituição) mobilizaram as pessoas para as concentrações do dia 23,e  em todas elas o descontento pela situação do país foi notório, ao ponto de criar dúvidas razoáveis sobre os resultados da eleição presidencial.

É claro que sem o apoio da comunidade internacional o Guaidó, e com ele a AL, nunca teria feito o que fizeram, mas não foi a ingerência estrangeira o que propiciou a movimentação, foi o próprio povo que, lembrando a gesta dos Libertadores, deseja se libertar deste jugo que tem mais de 20 anos oprimindo a toda a população, sejam ricos, pobres ou classe média, chavistas ou não, todos sofrem pelas consequências nefastas deste governo.

E agora?

Essa é a pergunta que todos nos fazemos, o que vai acontecer? Ninguém sabe, mas a oposição deu um passo onde não tem volta atrás, e o jogo está - como diriam no meu país - trancado.

  • O apoio das Forças Armadas é vital para aquele que vai governar, e as garantias de Anistia dada por Guaidó podem mudar o balanço ao seu favor. 
  • O povo não acredita mais no governo, pelo menos foi isso que ficou claro ontem. O governo perdeu as favelas de Caracas e cidades chaves.
  • Aumentou o número de mortos por agressões.
  • A xenofobia a venezuelanos cria em muitos o desejo de retornar, mas mudando o cenário para ter um amanhã melhor dentro do país.
  • A pressão internacional pode afundar financeiramente o Estado, o que é uma espada de dois gumes.
  • Mas, a bola está no campo dos venezuelanos.
Eu, que estou fora do meu país, o que me resta é acompanhar e orar pela situação. É algo duro de ver, mas eu desejo pisar mais uma vez a minha terra, abraçar aos meus pais e minha família, voltar a sentir o calor da areia e do Mar Caribe, e depois o frio do Páramos dos Andes. Ir até o Salto Ángel, para correr nas Planícies, el Llano, onde a minha família materna brinca e ri.

Que Deus abençoe Venezuela!

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