O paradoxo da vitória


Todos ouvimos das histórias de superação dos vencedores: pessoas que venceram fraquezas, dificuldades e obstáculos até alcançar o reconhecimento, a glória e se tornarem exemplos para outros. E isso não somente acontece nos esportes, nas artes, na ciência, na política. Em qualquer área do conhecimento e da vida, os vencedores se levantam como sinais de sucesso, de luta constante até atingir os objetivos desejados, de perseverança, e de acreditar no impossível.

Os ídolos do nosso tempo, as cerejas no bolo, os referenciais na vida.

São, simplesmente, os caras.

E nós, simples mortais, que sucumbimos perante as nossas dificuldades, que lutamos contra nossos desafios, que não conseguimos nem sequer chegar a final de mês, ou que não temos cartas de baralho embaixo da manga como alternativas de sucesso, o que resta para nós?

As vitórias dos outros nos ajudam a acreditar que podemos alcançar os nossos sonhos e anseios da nossa alma, mas que é preciso ter disposição, objetivos claros e muita perseverança. Isso é bom e louvável, mas vale para todos?

Quantas pessoas estudam para um vestibular ou concurso público no Brasil? Quantos são aprovados? Os que não conseguiram são vencedores ou vencidos?

Quantas pessoas lutam por melhorar nos seus empregos, e tem sucesso? Quantas pessoas saíram dos seus lares procurando melhorar, e se encontraram com uma pobreza maior daquela que tinham na sua casa? Quantos sonhos destruídos pelas circunstâncias da vida? Quantos empreendimentos que não tiveram sucesso? Quantas histórias de fracasso?

Nossa cultura exalta o vencedor acima de todos, por isso o pódio. E depois tenta levantar o astral do perdedor dizendo que "todos somos vencedores". Mas isso acaba sendo um grande paradoxo: muitos concorrem ao sucesso, e somente um tem o direito de se proclamar vencedor, isso é um fato inquestionável; o restante não atingiu o objetivo final, portanto, perderam.

E na nossa cultura pós-moderna, onde as contradições tentam ser unidas com água, o vencedor é exaltado, e se tenta dar ao perdedor um ar de vitorioso ao proclamar que "todos venceram" quando, na verdade, somente um leva o premio, enfatizando a derrota, e criando um senso de vingança e de ganhar a qualquer custo.

Veja um exemplo. É atribuído a Pierre de Coubertin, pai das Olimpíadas Modernas, a seguinte frase:
"O que importa na vida não é tanto o triunfo, mas o combate; o essencial não é ter vencido, mas ter lutado bem."
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Pierre de Coubertin
Mas, quando olharmos as Olimpíadas, vemos que o essencial hoje são as vitórias e os recordes. Por isso, as analise antidoping nas competições de alto nível, porque o pensamento de hoje é ganhar a qualquer custo, mesmo que tenha que disfarçar minha vantagem artificial para não ser pego.

Olhando para a derrota como ela é

Mas, perder é a norma numa competição, e temos que aceitar isso. Por isso os vencedores são tão notórios neste tempo: são excepcionais! Porque, de todos os que participam, somente um leva o prêmio.

Não faço uma apologia a termos uma mentalidade de derrota, mas acredito que temos que entender que nesta vida, as derrotas sempre serão maiores do que as nossas vitórias. Isso pode nos ajudar a ter uma atitude saudável na nossa vida. Diminui os nossos anseios, e nos ajuda a nos alegrar com as vitórias dos outros. E se vencermos, poderemos reconhecer os méritos dos outros, e não ter uma atitude arrogante perante os outros.

O que gostaria trazer a colação é o seguinte: pela estatística da nossa vida somos perdedores, e essa é uma realidade que não podemos negar.

Jesus e os vencedores da sua época

Vendo os escribas dos fariseus que comia com os publicanos e pecadores, perguntavam aos discípulos: Por que é que ele como com os publicanos e pecadores? Jesus, porém, ouvindo isso, disse-lhes: Não necessitam de médico os sãos, mas sim os enfermos; eu não vim chamar justos, mas pecadores. (Marcos 2:16-17)
Os publicanos e pecadores faziam parte da escória da sociedade, e Jesus comia com eles.

Os fariseus, saduceus e Mestres da Lei estavam na elite do povo, e Jesus não se sento com eles!

Qual era a diferença? O propósito de Jesus.

Jesus não veio a dar palmadas nas costas dos homens, e dizer que tudo estava bem. Ele veio a dar sentido a uma sociedade que tinha esquecido da Lei e do Plano Redentor de Deus. Ele veio a dar Sua vida por aqueles que eram pecadores, e que reconheciam sua doença espiritual.

Os religiosos da época eram vencedores numa sociedade como os judeus: zelosos da Lei, estudiosos, gostavam de ensinar as Escrituras, ofertavam generosamente, visitavam os órfãos e as viúvas, iam do Templo até a Sinagoga; respeitados pela sociedade pela piedade e vida dedicada ao estudo da religião, ensinavam ao povo ao não se misturar com os chamados "pecadores": publicanos, gentios e pessoas de fama duvidosa.

Justamente as pessoas com quem Jesus andou.

A glória e a fama não vislumbraram o Senhor da Glória, os logros dos outros não ofuscaram o seu olhar. No seu propósito eterno, um pecador humilhado tem mais proximidade ao Pai do que um justificado pela sua piedade (Lucas 18.10-14). As crianças - que não eram tão valorizadas como agora - tinham preeminência sobre os adultos (Lucas 18.15-17). As riquezas podem se transformar num empecilho para ter a vida cristã (Lucas 18.18-30).

Pelo visto, Jesus gostava de andar com "perdedores" ao invés dos vencedores de plantão.

Por isso, sua primeira Bem-aventurança foi para os "humildes (pobres) de espírito, porque deles é o reino de Deus" (Mateus 5.3) e não para os vitoriosos. Para aqueles que reconhecem sua fraqueza e dependência a Deus, porque não tem outra esperança neste mundo.

Mas, por incrível que pareça, há uma vitória para o seguidor de Cristo, mas não na perspectiva deste mundo.

Mais do que vencedores


Somos tão perdedores que, na mais importante das nossas batalhas nesta vida, estamos perdidos, sem saber para onde vamos.

O pecado tem nos dominado ao ponto de não termos forças para dominá-lo. A condenação eterna, a derrota final, ergue-se sobre nós vitoriosa, pronta para nos apresentar como o seu troféu.

Perdidos assim, nem o melhor ou mais apto dos mortais poderia vencer.

Mas, Deus enviou seu Filho.
Portanto, visto como os filhos são participantes comuns de carne e sangue, também ele [Jesus] semelhantemente participou das mesmas coisas, para que pela morte derrotasse aquele que tinha o poder da morte, isto é, o Diabo; (Hebreus 2:14)
Cristo venceu o Diabo e a morte na cruz.
E a vós, quando estáveis mortos nos vossos delitos e na incircuncisão da vossa carne, vos vivificou juntamente com ele [Jesus], perdoando-nos todos os delitos; e havendo riscado o escrito de dívida que havia contra nós nas suas ordenanças, o qual nos era contrário, removeu-o do meio de nós, cravando-o na cruz; e, tendo despojado os principados e potestades, os exibiu publicamente e deles triunfou na mesma cruz. (Colossenses 2:13-15)
 Além de vencer os nossos pecados, sendo o Cordeiro de Deus, que deu Sua vida para que possamos ter perdão do Alto.
Porque também Cristo morreu uma só vez pelos pecados, o justo pelos injustos, para levar-nos a Deus; sendo, na verdade, morto na carne, mas vivificado no espírito; (1 Pedro 3:18)
Como isso nos afeta?

Em primeiro lugar, Ele nos concedeu sua vitória sobre o pecado, a morte e o diabo.

Já o texto de 1 Pedro 3.18 fala ao respeito, "Para levar-nos a Deus". Ele mesmo fala que agora somos cidadãos do Senhor (2.9,10), e João fala da nossa vitória que é resultado de uma fé fundamentada na vitória de Cristo na cruz.
Porque este é o amor de Deus, que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são penosos; porque todo o que é nascido de Deus vence o mundo; e esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé. Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus? (1 João 5:3-5)

 Em segundo lugar, temos garantia de segurança mesmo nas nossas derrotas pessoais.

É neste ponto que temos o maior dos problemas hoje. A nossa vitória espiritual não garante sucesso neste mundo terrenal.

Lembra dos vencedores no começo do post? Pois, mesmo sendo cristãos, nascidos de novo pela graça de Deus, sofremos derrotas, perdas e fracassos assim como qualquer outro.

Por que? Porque ainda estamos neste mundo, e faz parte da nossa caminhada.

Se todo cristão fosse um vencedor em todas as áreas da nossa vida, as pessoas correriam até a cruz por causa dos benefícios materiais, e não pelo essencial: a nossa vida eterna.

Jesus falou de fracassos em nossa jornada ministerial, pessoal e social por causa dele (Mateus 10.17-42; 24.9; Marcos 13.12,13; Lucas 21.16,17; João 15.18-21). Mas, o que Ele nos garantiu foi Sua Presença conosco (Mateus 28.20; Lucas 21.18; João 16.33) mesmo na pior das tribulações.

Uma lida rápida de Hebreus 11 nos mostra que muitas pessoas sofreram e morreram por causa da revelação de Cristo, e isso, sob o olhar do mundo, foi fracasso e derrota. Mas para Deus é vitória, porque venceram o mundo pela fé (Hebreus 11.36-38). E hoje, quando sofremos pela causa dele, vemos que também somos consolados por Ele (Apocalipse 12.11).

Podemos estar derrotados, mas Ele não nos deixará.
Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não da nossa parte. Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desesperados; perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos; trazendo sempre no corpo o morrer de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nossos corpos; (2 Coríntios 4:7-10)

Em terceiro lugar, somos Mais do que Vencedores

E sabemos que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porque os que dantes conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos; e aos que predestinou, a estes também chamou; e aos que chamou, a estes também justificou; e aos que justificou, a estes também glorificou. Que diremos, pois, a estas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como não nos dará também com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica; Quem os condenará? Cristo Jesus é quem morreu, ou antes quem ressurgiu dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós; quem nos separará do amor de Cristo? a tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte o dia todo; fomos considerados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem anjos, nem principados, nem coisas presentes, nem futuras, nem potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor. (Romanos 8:28-39)
 A expressão "Mas em todas estas coisas somos mais que vencedores" deve ser analisada no seu contexto antes de entender a frase de por si.

Essas "coisas" que Paulo fala são, na ordem do texto:
  • Tribulação.
  • Angústia.
  • Perseguição.
  • Fome.
  • Nudez.
  • Perigo
  • Espada
Situações que poderiam nos separar do amor de Deus.

Então, reparemos que não tem nada a ver com situações corriqueiras da vida, como negócios ou situações pessoais. O texto se refere a eventos que podem abalar nossa fé, e nos fazer duvidar da graça, do cuidado e do amor do Pai sobre nós.

Mas, a base da nossa vitória estão nos versos que antecedem as "coisas" anteriormente citadas.
  • O chamado de Deus feito antes da fundação do mundo.
  • A escolha feita por Deus sobre nós.
  • O seu propósito eterno: que sejamos conforme a imagem do Seu Filho.
  • A nossa justificação.
  • A nossa glorificação. 
Ou seja, aquilo que Ele fez por nós, e não algo que nós tenhamos feito por Ele.

Agora, sim, o que quer dizer Mais que vencedores?

Essa expressão é uma só palavra grega (ὑπερνικάω) que tem o sentido de ter uma vitória magnânima, ser hiper-vencedor, uma vitória preeminente. Temos uma vitória que não se compara com nenhuma das que poderíamos ter alcançado neste século. E ela é nossa pela fé em Cristo, baseado na Sua obra na Cruz, pela segurança que temos no Pai, e a presença do Espírito Santo nos nossos corações.

Somos Mais que vencedores, porque ela é nossa apesar de quem nós somos. Ela é nossa pela Graça de Deus. É um resumo perfeito da obra de Deus a favor da nossa salvação. A maravilha do privilégio de sermos chamados Filhos de Deus por Adoção. A beleza da vida em Cristo. A misericórdia de Deus elevada ao sublime. E ao mesmo tempo, a humildade que devemos manifestar por causa da graça a nós reservada.

Por isso, podemos sofrer neste mundo, e vamos sofrer. Termos derrotas e nem sequer ter um nome que seja lembrado entre os homens. Se olharmos para o Alto, podemos ver nossa filiação com o Pai, e saber que, mesmo esquecidos aqui, temos Alguém que se importa, nos chama pelo nosso nome, e nos concedeu o privilégio de chamá-lo de Pai.

Por último, não se sinta pressionado a se tornar um vencedor neste mundo. A glória que podemos alcançar, a fama e o reconhecimento é nada se comparado com a Glória que nos está reservada no céu.

Deus não nos chamou a sermos vencedores neste mundo. Chamou perdedores para trasnformá-los em vencedores na Eternidade. Não somos chamados ao sucesso aqui, senão a viver uma vida santa e agradável perante Ele. Não confundamos nossa vitória celestial com méritos terrenas, isso seria tolice. Se assim for, jamais Jesus teria dito que veio buscar enfermos e pecadores ao arrependimento.

Viva a plena vitória que Cristo nos concedeu, apesar dos nossos fracassos neste mundo.

Ai vemos o paradoxo da vitória para o cristão: podemos perder tudo, e mesmo assim ganhar o essencial.

Que Deus nos abençoe!

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