O papel dos Seminários na história da Igreja e suas implicações para o dia de hoje (parte I)

Esta é a primeira parte do artigo que escreví para o III Congresso de Missões de Norte de Minas

Introdução
Na formação ministerial dos futuros vocacionados ao ministério, o seminário fornece ferramentas que são importantes para ele no decorrer da sua caminhada. São tão comuns que não dá para pensar nos seus origens, sua evolução e futuro.
Existem seminários de diversa índole e com varias linhas doutrinárias, há por denominações e sem denominações, uns respondem a uma igreja e outros são particulares, e assim por diante. Porém todos procuram que o ministro seja uma pessoa íntegra, piedosa, e de testemunho cristão, alem de uma preparação teológica que seja competente ao tempo que corresponde a ele viver, daí o esforço de se contextualizar com o ambiente onde se desenvolve e procurar inserir ao seminarista na vida comum da sociedade.
A idéia dos seminários não é nova, porem não esteja claramente mostrada na Bíblia, tal como se conhece tem sua origem na Idade Média, daí foi evoluindo até os dias de hoje, nessa evolução o seminário vai sofrendo as mudanças que a sociedade apresenta, desafios passados intentaram quebrar os alicerces dessa instituição com lutas, perseguição, e a ameaça de perder o alvo, entre outras. Hoje, ela também apresenta problemas que precisam de respostas convincentes e que sejam pertinentes à realidade deste mundo perdido.
A presente é um breve pano de fundo dos seminários, seus problemas hoje, e as diversas propostas que estão sendo levadas em consideração.
A Origem dos Seminários no Ocidente: os Mosteiros Beneditinos:
Os centros de ensino na Idade Média foram os mosteiros medievais, principalmente os beneditinos. Fundada por Benedito de Núrsia no século V, os fundamentos dela estavam baseados no que conheciam como A Regra que foram um conjunto de normas (setenta e três breves capítulos) que ordenaram a vida monástica de forma concisa e clara.
As ordenanças eram simples e práticas, tinham abrangência na vida diária dos monges, se poderia dizer que procuravam manter uma vida de comunidade com um enfase no estudo da Bíblia e vida devocional, incluindo o trabalho prático como forma de exercitar esse estilo de vida, além de ter sustento nos tempos difíceis. Também os monges se preparavam para a obra missionária naqueles dias, e foram uma força que levou o cristianismo por Europa, tendo como exponentes a Agostinho e Bonifácio.
O estudo da Bíblia tinha-se como importante para eles, muitos monges podiam recitar a Bíblia de cor por horas e horas, pelo menos, segundo A Regra, os Livro de Salmos se devia ler no transcorrer de uma semana. As outras leituras dependiam da hora de oração, do dia da semana e da época do ano. Os mosteiros preservaram manuscritos, que copiavam, incluindo escritos de antiguidade cristã; além disso, foi o centro de saber da Idade Média e Europa recebeu educação através dos mosteiros nesses anos.
A influência dos beneditos foi tal, que sendo Martinho Lutero de essa ordem, tinha aceso à Escritura, conseguia decorar grandes porções da Bíblia e dos Salmos. Não é casualidade que a Reforma Protestante tive como motor a vida de esse monge alemão, e sua prolixidade na hora de escrever e defender a fé veementemente.
A Reforma Protestante:
Com o movimento da Reforma Protestante no século XVI, na procura que cada pessoa tivera o desejo de pesquisar e conhecer o Texto Sagrado, se diu a liberdade para cada quem interpretara a Bíblia segundo Deus lhe mostrasse; embora pareça muito amplo, na verdade isso foi o que aconteceu e muitas pessoas geraram doutrinas heréticas e mandamentos que não estavam nos princípios baseados na Palavra de Deus. Por isso se iniciou um processo de sistematizar as doutrinas da Bíblia e procurar prédios onde ensinar a fé. A Reforma impulsou também, com a tradução da Bíblia às línguas falantes na época (inglês, alemã, francês, espanhol, português entre outros) que as pessoas começaram a ser formadas academicamente: se procurou que as pessoas aprenderam a ler e escrever, e em ocasiões (como o caso de Lutero) se diu forma escrita à língua do povo para ser accessível para todos.
Porém, a tarefa mais importante para os reformadores foi de dar ensino da Bíblia aos futuros ministros para levar o Evangelho até o último lugar da Terra. Começaram os centros de ensino para formar os vocacionados e servir como cultivo da instrução da Palavra de Deus. De todos eles, o mais importante foi a Academia de Genebra com Calvino, no ano de 1559.
Calvino e a Academia de Genebra:
Calvino não se empenhou no assunto da educação sinão ao final da sua vida, quando, em 1559, funda a Academia de Genebra. Porém, a educação foi parte do seu ensino e pensamento sempre, isso pode ser visto nos seus escritos. Como os outros grandes reformadores (Lutero, Zwinglio, Melanchton entre outros) educar aos crentes era prioridade. Para ele, a educação não era simplesmente intelecto, tinha que abarcar as outras áreas do pensamento humano. O ensino na Academia tinha, além das aulas teológicas, artes liberais com o fim de enriquecer o conhecimento humano. Este pensamento foi continuado pelos Puritanos que fundaram as Universidades de Harvard, Yale e Princeton nos Estados Unidos.
O desejo de Calvino era preparar jovens e adultos para o ministério e a evangelização. Na sua visão, a Igreja é vista como mediadora de todos os saberes. E o seu principal compromisso é com uma doutrina pura baseada na Escritura.
A Academia de Genebra tinha um sistema de estudo de dois níveis: o primeiro foi chamado schola privata, na qual se ensinava a ler e escrever, francês, grego, latim e fundamentos da filosofia, para terminar com hebraico, e finalmente filosofia e literatura. O estudo era de sete anos. Quem acabar com sucesso esse curso entrava no seguinte chamava-se schola publica, na qual eram oferecidos palestras e ensaios acadêmicos. No ano da morte de Calvino a schola privata contava com 1200 alunos e a schola publica com cerca de 300 que chegaram de varias partes da França e Europa, que logo foram espalhados levando a mensagem e sistema de ensino reformado.
Os professores foram aquilos doutores que saíram da Igreja Católica abraçando a fé protestante.
A Academia continua sendo considerada a primeira Universidade Cristã fundada, e a partir daí, aos países em derredor. E até o século XVII foi chamada, pelos países Europeias reformados, a maior escola de formação teológica.
Tempos de Mudanças:
Os centros de ensino mantiveram a forma dos antigos mosteiros medievais, com o enfase na vida de comunidade, no estudo da Bíblia e vida devocional, além do trabalho prático. Isto é pela formação dos professores que saíram da Igreja Católica e mantiveram o método de ensino recebido.
Porém, a chegada do liberalismo teológico e a alta crítica trouxe mudanças no pensamento cristão: o estudo da Bíblia foi afeitado por estas linhas teológicas, aunado às diferentes posturas políticas – econômicas no final do século XIX e começo do século XX. Entre esses movimentos se estava gestando na Alemanha o pensamento liberal (Heim, Schlatter, Seeberg, Von Harnack entre outros), e a política nazi com Adolf Hitler na cabeça. A vida da Igreja ficou em mãos de pessoas que foram controlados pelo aparelho do Estado e pregavam um evangelho baseado na raça superior alemã segundo o padrão de Nietzsche. Mas um grupo de pastores comprometidos com a mensagem decidiram criar um Seminário clandestino onde os vocacionados poderiam receber uma formação sadia, baseada na Palavra de Deus e uma vida devocional abundante. Assim nasce o Seminário Finkenwalde.
Bonhoeffer e o Seminário de Finkenwalde:
O seminário de Bonhoeffer não tinha os padrões próprios daquela época, ele intentou fazer um centro diferente para atacar as correntes que tinham entrado na Igreja, por isso, ele baseou o mesmo em duas propostas:
Modelo de Comunidade:
A idéia original era ter um centro de ensino de irmandade, confraternidade e companheirismo mutuo, de comunhão íntima de professores e alunos entre eles e com Deus em primeiro lugar. Para Bonhoeffer a restauração da Igreja acontecerá quando sua liderança tiver aprendido a ter comunhão com Deus e os homens em companheirismo mutuo e discipulado. Porém, essa prática deve ser ensinada e moldeada nas vidas das pessoas. Para isso ele enfatizou o serviço mutuo, ou seja, o serviço era feito em todas as coisas, grandes e pequenas. Começava com as reformas da casa, a limpeza e a cozinha. Terminava com as aulas, onde professores e alunos procuravam juntos a verdade. Para Spurlock o propósito desta prática era a “formação espiritual do seminarista, pois somente um homem espiritualmente forte teria condições de servir seu irmão a liberar sua Igreja em tempos difíceis” (p.4).
Também, enfatizou a vida em comunidade através das orações, porque antes do começo das atividades do dia (incluindo o café de manhã) os estudantes tinham trinta minutos para a oração juntos. A turma era dividida em dois grupos, se fazia leitura de um Salmo em forma antifonal, logo um capítulo do Antigo Testamento e outro do Novo Testamento, seguidamente se entoava um canto gregoriano, para fechar com uma oração do Diretor. Depois do café continuava-se com a meditação individual, mas como os seminaristas não conheciam esse recurso, Bonhoeffer facilitou para eles 15 versículos ao começar a semana, e cada estudante e professor passava 30 minutos com o mesmo trecho. Era usado para focalizar e aprofundar os pensamentos de cada pessoa e de toda a comunidade. Foi um estimulo à união e à unidade.
Por último, o enfase para a vida em comunidade foi a confissão uns com os outros, esta era a conseqüência natural dos passos anteriormente citados: pessoas e comunidades quebrantadas têm que confessar o impacto deste encontro com o Deus vivo. Cada pessoa selecionava uma outra pessoa para confessar e abrir sua própria alma. Segundo Spurlock “treinou a todos não somente a serem bons pastores, mas para serem honestos, francos, e sem pretensões perante Deus e os outros homens” (p. 5).
Servir a verdade:
Embora pareça simples, na verdade na época de Bonhoeffer a Verdade estava presa pelos conceitos políticas que atingiam seu país (a chegada dos nazis ao poder na Alemanha) e as correntes liberais existentes nas escolas de teologia nesses dias, portanto servir a Verdade era o alvo maior para quem queria ensinar as Escrituras como fonte inesgotável da verdade revelada de Deus na pessoa de Jesus.
Um delas foi através do modo de ensino: “a verdade era o destino e as aulas uma viagem mútua em busca daquele destino” (p.5), para essa escola, o professor não era o possuidor da verdade, mais um facilitador, ele não poderia entregar a verdade ao estudante, sua função era como um guia que tinha um pouco mais de experiencia que aquele que recebia o ensino.
A outra foi por médio da didática: debates e reflexão: as palestras existiam como pano de fundo e mostrar vários caminhos, porém os debates e discussões foram abundantes, três perguntas baseavam para os momentos de discussão: 1) Que é Cristo e o seu significado neste assunto? 2) Qual é a natureza da Igreja e quais são as implicações disto para o povo de Deus? 3) o que é discipulado, ou o que isto significará na minha obediência e chamado de seguir a Cristo?.
Fim de Seminário de Bonhoeffer
Este seminário, que atravessou momentos difíceis muitas vezes, acabou por médio da Gestapo quem fechou-la dois anos depois e seus alunos foram espalhados através da Alemanha ministrando clandestinamente, Bonhoeffer participou de dois atentados para assasinar a Hitler, foi preso pela Gestapo e morreu enforcado dois dias antes da libertação do seu campo de concentração.
Séculos XX e XXI
Com a queda do modernismo e a chegada do pós modernismo na sociedade atual, parte da finalidade do seminário poderia se dizer que ficaria desatualizado, pelo fato que a sociedade não precisa de demonstrar que os fatos passados sejam verdadeiros, o que se precisa é que sejam relevantes para o dia de hoje. Esta-se pedindo outro modo de ver a teologia porque os fatos anteriores não atingem às necessidades do mundo.
A partir da década de 1960 o paradigma educacional mudou em grande parte do mundo, pensadores seculares (incluindo Paulo Freire) e religiosos, pediram uma educação baseada na busca do conhecimento aluno-mestre como um trabalho de parceira: onde o professor não é o “dono da verdade” mas um facilitador do processo com o aluno; as aulas não são palestras onde a autoridade do professor é inqüestionável, mas um lugar onde o professor ajuda ao aluno. Com a queda dos princípios absolutos na sociedade, a autoridade das pessoas foi questionada, incluindo os professores, políticos e líderes religiosos. Não adianta querer voltar ao passado, a mudança de hoje exige uma mudança da forma como se ensina, e, segundo alguns estudiosos, mudar a razão de ser dos seminários.
A crise foi tal, que para os anos 70 foi feito uma pesquisa em Latino América para fazer um levantamento geral sobre a situação da educação teológica no continente. Os resultados demonstraram que os seminários estavam desenvolvendo uma educação teológica segundo o padrão dos Estados Unidos e na Europa. Outro aspecto relacionava-se com o fato de que a educação teológica não é acadêmica e sim um crescimento vivencial na fé, e isso acontece ligado com suas condições de vida. Em último lugar se tivera o fato que a educação deve dar-se no meio dos próprios embates e problemas do mundo.
Nessa crítica, Neto (1991), afirma que os seminários eram “comunidades artificiais para educar teologicamente” (p.63), explica que a artificialidade criava um mundo morto. Confundia-se erudição e aprofundamento acadêmicos com fórmulas decoradas e repetidas “de um passado que já não servia para alimentar a fé cristã neste presente tão angustiado” (ibid)
Para Carriker, a educação evangélica para a formação de líderes religiosos (por exemplo: seminários, institutos bíblicos) tem um predomínio do paradigma dogmático, onde a discussão e avaliações críticas são vistas como ameaças, ao invés de oportunidade para a descoberta.
Segundo o pensamento dele, a formação dos pastores nos Seminários segue um padrão curricular e conceptual de corte “iluminista”, privilegiando o domínio, pelo estudante, do saber teológico e técnico necessário para desempenhar as funções pastorais. Saber esse que não é construído a partir da práxis ministerial/missionária da Igreja e dos estudantes, mas coletado a partir dos conteúdos previamente definidos nas respectivas disciplinas científicas que compõem o curricular escolar. Uma das conseqüências desta situação é o empobrecimento teológico dos membros das comunidades e sua relativa incapacidade de participar ativamente na construção do saber teológico e do agir ministerial da Igreja.
Para fechar seu pensamento, Carriker tem que dizer para o seminário como centro de ensino, para ele ainda falta uma avaliação pedagógica dos paradigmas de ensino adotados. A impressão é que predomina o paradigma dogmático na maioria das disciplinas e em outras, como nas disciplinas de exegese e nas disciplinas pastorais instala-se cada vez mais o paradigma técno-científico. A questão para ele é, uma vez conscientes da situação que existe nos seminários, e mesmo com uma excelente intenção de aumentar a “dose” missiológica ao currículo, de que maneira a proposta educacional muda os seus fundamentos para se adequar a este “novo” processo.

A segunda parte daquí a pouco

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