O que fazer com os refugiados (I): Conhecendo o refugiado


Um problema que se torna comum: crise na fronteira Brasil-Venezuela
O seguinte post foi a primeira parte da minha fala no Especial sobre Refugiados do dia 21 de Agosto na Rádio Alternativa em Bicas, dentro do Programa Radial "Tempo de Esperança" que conduzo toda terça à noite (pode assistir ao vivo através do Facebook e Instagram)
A ACNUR (Agência da ONU para os refugiados) define Refugiado da seguinte maneira no seu site oficial:
São pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados.
E ao mesmo tempo fornece um dado alarmante:
No final de 2016, a população global de refugiados atingiu a marca de 22,5 milhões de pessoas, nível mais alto registrado em duas décadas.[1]
A crise dos refugiados é um problema de alcance global. Não somente no Brasil, mas no mundo inteiro. E hoje quero focar a nossa atenção para a crise dos refugiados venezuelanos.

No jornal Peruano “La República” na sua web do 26 de março de 2018 mostra uma reportagem sobre a diáspora venezuelana, e os dados mostram a realidade que o vizinho país está sofrendo nos últimos anos (dados de 2017)[2]:
  • Entre 2015 e 2017, o número de refugiados venezuelanos aumentou na ordem de 132,5%: de quase 700 mil em 2015 para mais de 1,6 milhões de venezuelanos refugiados no mundo.
  • Colômbia, Estados Unidos e Espanha são os países onde os venezuelanos têm suas preferências, com 600 mil, 290 mil e 208 mil respectivamente. O Brasil está na posição número nove, com 35 mil refugiados.
  • Segundo a Organização Internacional para Migrações (OIM), mais de um milhão de venezuelanos deixaram o país desde 2015, isso é um de cada 20 venezuelanos saíram do país.
  • O número de pedidos de asilo ou de refúgio de venezuelanos no Brasil aumentou 922% entre 2015 e 2017. O que o coloca abaixo do Chile (1.388%), Colômbia (1.132%) e Peru (1.016%). Quer dizer que Brasil, atualmente, é o quarto maior destino dos venezuelanos que emigram.
  • Extraoficialmente se fala que entre 3 e 5 milhões de venezuelanos deixaram o país desde o ano 1999, ano em que Hugo Chávez começou a governar o país.

Os dados apresentados não incluem os ilegais, número que é desconhecido.

Por isso a OIM chegou a dizer que – salvando algumas diferenças – os dados do fluxo migratório dos venezuelanos tem números semelhantes à migração no Mediterrâneo no ano de 2015[3], principalmente na Colômbia onde acontece a maior migração, porém o país tem uma rede de estradas que permite que o venezuelano se distribua mais na capital Bogotá e em outras cidades.

Ponte "Simón Bolívar" na fronteira Colombo-Venezuelana
Um refugiado é aquele que é empurrado pelos problemas do país a procurar seu sustento em outro lugar. Poderia ser fácil se não fosse pela dificuldade do idioma e da cultura, além dos trâmites migratórios que são, em muitos casos, demorados. Muitos saem com os itens básicos de sobrevivência porque não tem a facilidade de viajar em avião ou em veículos confortáveis. No caso dos venezuelanos que viajam até o Peru, são mais de 4 dias em ônibus, em ocasiões passando até dois dias sem tomar banho e sem descansar direto por causa de todo o processo. E não fazem isso porque são mochileiros que gostam de aventura, na verdade era o único meio barato de viajar.

Outros caminham por quilômetros, como os que saem de Santa Elena de Uairén, na Venezuela, em direção a Pacaraima na Roraima, são quase 20 quilômetros entre ambas as cidades, o que parece pouco. Mas quando o percorrido é feito com idosos e crianças, com bagagem, fome e angustia, a situação é outra.
Fonte: g1.com

Pior ainda são os refugiados que andam nas barcaças no Mediterrâneo, superlotadas ao ponto de correr o risco de naufragar se houver algum aumento das ondas do mar. Uma situação parecida as que sofrem os cubanos que navegam em balsas improvisadas para chegar nas costas dos Estados Unidos para fugir do governo cubano.

Por isso, podemos dizer que um refugiado chega fisicamente cansado.

Também podemos dizer que o refugiado está emocionalmente abalado. Diferente de um emigrante qualquer, ele não sai querendo ir. Ao contemplar a crise, a insegurança, e o desalento de ver que a situação não melhora, sente que o país onde nasceu e foi criado não é mais o mesmo, e tem que sair se quiser sobreviver porque suas forças fraquejam. É claro que tem a opção de permanecer, e tentar sair adiante, mas muitos deles não encontraram a forma, e consideram que em outro país, mais estável, com condições que, no mínimo sejam melhores ao seu país, encontraram os meios para se desenvolver.

Um refugiado está economicamente falido. O salário mínimo na Venezuela não dá para comprar nem sequer um pacote de ovos. A maioria dos empregados, sejam públicos ou privados, não tem como comer três vezes por dia. Algumas organizações como a OEA e a OMS alertam que mais do 80% dos habitantes do país estão abaixo do limite da pobreza. Hoje não existe mais, no caso venezuelano, isso de “refugiado rico ou pobre” porque todos são pobres. Até profissionais com título universitário e mestrados não conseguem pagar suas despesas, muito menos comprar uma passagem para sair do país. A luta na Venezuela para a esmagadora maioria é ver como sobreviver.

Um refugiado está socialmente humilhado. Sair como emigrante é uma coisa, com passaporte, visa e condições mínimas para se estabelecer. A média para que um estrangeiro se posicione dentro de um país oscila entre três e seis meses, tempo onde ele entra no mercado de trabalho, encontra seu primeiro emprego e começa a bancar sua vida com isso; por isso se pede sempre sair com uma poupança que vá entre seis meses e um ano. Mas o refugiado já chega com fome e sem dinheiro, muitas vezes tendo que pedir esmola para ter o que comer, aí é confundido com consumidor de droga ou com qualquer outro. Sendo campo fértil para justamente o tráfico ou o trabalho escravo.


Não posso dizer que todo refugiado é uma pessoa digna, trabalhadora e que vem a somar. Isso seria irresponsável, porque já falei aqui que não existe ninguém justo. Mas a realidade de muitos os leva ao crime ao invés do trabalho árduo. Preferem o caminho da criminalidade para tentar melhorar a vida, e se olharmos o histórico dessas pessoas, eles já praticaram essa vida no passado (como aconteceu com um venezuelano apreendido no Peru, era membro de uma das piores gangues do centro do país, e mudou-se para continuar roubando em outro lugar. Graças a Deus foi preso). Nada justifica que alguém opte pelo caminho do crime, nem sequer quem está refugiado, a procura da dignidade no trabalho deve ser um objetivo.

No próximo post escreverei a segunda e última parte, que será sobre a perspectiva bíblica do refugiado,  e como nós, como venezuelanos em estado migratório de não-refugiado nos sentimos perante esta dura realidade.

[1] http://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos/refugiados/
[2] https://larepublica.pe/mundo/1217238-a-que-paises-del-mundo-huye-la-diaspora-venezolana
[3] https://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,migracao-venezuelana-tem-numeros-semelhantes-aos-da-crise-no-mediterraneo-alerta-agencia,70002187977

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