Sempre há esperança para o refugiado |
Esta é a continuação da minha fala no Especial sobre Refugiados do dia 21 de Agosto na Rádio Alternativa em Bicas, dentro do Programa Radial "Tempo de Esperança" que conduzo toda terça à noite (pode assistir ao vivo através do Facebook e Instagram) a primeira pode ser lida aqui
O que podemos fazer? O Pastor e Deputado
Estadual no Estado de São Paulo Carlos Bezerra Jr escreveu na sua conta numa
rede social alguns textos bíblicos que nos ajudam a esclarecer isso. E seguido
a cada texto daremos um breve comentário[1]
"Quando um estrangeiro viver na terra de vocês, não o maltratem. O estrangeiro residente que viver com vocês será tratado como o natural da terra. Amem-no como a si mesmos, pois vocês foram estrangeiros no Egito. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês”. Levítico 19:33,34
Podemos ver que a Bíblia nos pede que evitemos o trabalho escravo, evitando o maltrato, e sendo tratado
igual que o natural. No nosso contexto seria dar ao estrangeiro a possibilidade
de um emprego com carteira assinada e todo os direitos que a Lei dá (que aqui
no Brasil são quase os mesmos). O problema para o estrangeiro é a falta de
conhecimento, o que para o explorador é uma vantagem. O temor de Deus deve
evitar em nós tomar vantagem de qualquer um.
“Vocês terão a mesma lei para o estrangeiro e para o natural. Eu sou o Senhor, o Deus de vocês". Levítico 24:22
A igualdade perante a
Lei é um recurso importante, porque tanto os direitos como os deveres devem
ser respeitados por todos, incluindo o estrangeiro. Mesmo o refugiado não pode
ser tratado como um coitado ou como alguém com menos direito: se ele se
estabelece em outro país deve cumprir essas leis, mesmo que posam ser
diferentes com relação a seu país de origem. Vale também para o caso de querer aplicar
leis mais rigorosas para o estrangeiro, fornecendo-lhes desvantagens na vida e
sua inserção na sociedade.
Aqui vale ressaltar que existem casos onde há uma
diferenciação. Por exemplo, no Brasil eu não posso votar nem cumpro serviço
militar. Se eu quiser votar – por exemplo – pois devo me naturalizar. Então, no
momento não posso ter certos direitos, mas podem ser alcançados através da
naturalização.
Naquela ocasião ordenei aos juízes de vocês: "Atendam as questões de seus irmãos e julguem com justiça, não só as questões entre os seus compatriotas como também entre um israelita e um estrangeiro.” Deuteronômio 1:16
Este texto se relaciona muito com o anterior, na verdade o
complementa porque aqui é uma ordem dada aos próprios juízes. Na hora de
administrar justiça não podia haver distinção entre um israelita e um
estrangeiro, as nacionalidades ficavam de lado na hora de estabelecer o certo e
o errado; qualquer diferença era posta de lado na hora de ser justos, porque se
assim não for, como se chamaria isso de justiça? Por isso é que o estrangeiro
deve ter o direito ao devido processo, a presunção de inocência e a liberdade
se for inocente ou ao cumprimento da pena se for declarado culpado.
O estrangeiro deve cumprir a Lei por inteiro, e que seja
atendido da mesma forma.
"Não maltratem nem oprimam o estrangeiro, pois vocês foram estrangeiros no Egito.” Êxodo 22:21
Isto vá além do trabalho escravo. Isto aqui é evitar todo tipo de agressão. É fácil
zombar do estrangeiro, as roupas, o sotaque, os erros ao falar e escrever,
erros de gênero e de concordância, assim muitas outras coisas. Além disso
o desprezo por não ser natural da terra, os comentário de “você está usufruindo
os nossos impostos”, “você está ocupando o nosso leito de hospital” ou “essa
vaga de emprego não pode ser para estrangeiro, o natural deve vir primeiro”;
frases como essas oprimem e maltratam a alma do estrangeiro. Ele vem sim a usar o
leito do hospital, a cadeira da escola, competir a vaga de emprego; mas também
vai produzir e pagar seus impostos. Ele não vem para ser uma carga, ele vem a
somar, a gerar riquezas como qualquer outro em igualdade de condições. O que
ele precisa é de uma oportunidade.
É verdade que alguns vão querer gostar do assistencialismo
para sempre, mas não devem ser a maioria. Os que saem querem suar a frente
ganhando dignamente o seu pão, o que precisam é igualdade de condições para que
possam demonstrar suas habilidades.
Um cuidado grande deve ser dado às crianças. Embora ternas e
meigas elas podem ser cruéis com os recém-chegados, principalmente se não
entendem nada do que dizem. Ensinar dentro de casa a tolerância ajudará a
fortalecer o vínculo de amizade entre crianças.
"Maldito quem negar justiça ao estrangeiro, ao órfão ou à viúva". Todo o povo dirá: "Amém! " Deuteronômio 27:19
Este texto parece duro, mas podemos ver como o Senhor leva a sério o cuidado do
despossuído. Não somente do estrangeiro, mas do órfão e da viúva (que eram
naturais e não estrangeiros). Negar a justiça era algo terrível e digno da
maldição do Senhor, porque assim como Tiago escreveu na sua carta: “juízo sem
misericórdia será feito com quem não teve misericórdia” (Tiago 2.13).
Para o Senhor Deus, o estrangeiro é um despossuído, porque
ele não tem pai, nem mãe nem nada. Muitos se endividam fortemente para comprar
o básico, e demoram anos em pagar. Alguns usam menos da metade do dinheiro que
ganham para uso pessoal, enviando o restante a suas famílias. Mesmo parecendo
igual, o estrangeiro vive diferente por causa da sua realidade e necessidades.
Não oprimam a viúva e o órfão, nem o estrangeiro e o necessitado. Nem tramem maldades uns contra os outros’. Zacarias 7:10
Quantas pessoas vivem querendo ser injustos com os
despossuídos? Quantas vezes vemos pessoas espancando outros na rua? Julgando
aquele que não tem ou mendiga na rua, achando que é consumidor ou traficante?
Gratidão: um dos valores que temos como venezuelanos |
Recentemente lemos sobre o que aconteceu na cidade de
Pacaraima, no estado de Roraima há algumas semanas, quando um grupo de 4 pessoas
atacaram um comerciante e sua esposa. A primeira informação era que os 4 eram
venezuelanos, sendo eles os que assaltaram, esfaquearam e espancaram o dono do
estabelecimento, deixando-o em coma no Hospital. Mas a realidade é que o
comerciante no foi esfaqueado, está em estado estável e nunca ficou em coma[2].
Essa confusão levou a uma manifestação dos moradores de Pacaraima, fazendo que
1200 pessoas, venezuelanas, refugiados, desabrigadas, morando na rua com seus
poucos pertences, fossem vilmente atacados, queimaram seus roupas e outras
coisas, obrigando-os a voltar ao inferno venezuelano.
Nos casos de assalto e delitos cometidos em Pacaraima e Boa
Vista por presuntos venezuelanos, nada se sabe sobre a identidade das pessoas
(por isso falo de “presuntos” porque não há certeza se são venezuelanos ou se
se fizeram passar por eles, isso será de conhecimento de todos pela apuração dos
órgãos competentes). E se for verdade, assim como nos outros casos de roubos
que estão acontecendo nessas duas cidades, pois que a Lei se cumpra, mas que
não sejam as próprias pessoas civis que criem sua própria justiça. Isso seria
oprimir os inocentes, principalmente se acontecerem mais uma vez casos como o
que aconteceu quando 1200 pessoas pagaram o pato de 4.
Todos esses versos falam de atitudes que devemos ter perante
o estrangeiro, principalmente aquele que vem em condições de vida deploráveis,
na miséria, mendigando por um pedaço de pão e a oportunidade de se estabelecer
para crescer e viver com dignidade.
O meu posicionamento como venezuelano residente no Brasil
Por isso, particularmente posso entender a situação, a
tensão que há de ter quando de repente um grande número de pessoas entram na
cidade, mendigando e dormindo na rua. É compreensível que as pessoas se sintam
inseguras e invadidas (porque é uma invasão), e que a cada dia sejam
acrescentadas mais 500 pessoas não ajuda muito a criar uma perspectiva
favorável do assunto.
Pacaraima, Boa Vista, o estado de Roraima e o Brasil não são
responsáveis pelas escolhas que fizemos como nação, isso é um fato
incontestável, e ninguém vai cobrar isso de ninguém. Mas a ajuda que fizerem
nesta hora não será esquecida por nós, venezuelanos, que temos uma cultura de
acolher e de ajudar os outros (e disso podem dar fé os peruanos, os chilenos,
os colombianos, os espanhóis, os italianos, os portugueses, os libaneses, os
jordanos e tantos outros que fizeram da nossa terra o seu lar).
Por outro lado, eu me coloco no lugar dos meus compatriotas,
e eu lhes peço, como alguém que há 11 anos mora nesta terra, e tem uma enorme
gratidão pelo acolhimento do povo brasileiro, que faça um exercício de se
colocar no lugar deles. Eu espero, oro e desejo que nunca, nunca país algum
passe o que estamos passando. Eu me sinto como Jeremias quando falou o
seguinte:
Tu nos tornaste escória e refugo entre as nações. Lamentações 3:45
Deixamos de ser a nação que era modelo de modernidade e
progresso nos anos 70 para este estado de miséria e desolação. E se perguntar a
um venezuelano que está fora do país ele não colocará na culpa na conquista
espanhola nem nos governos estrangeiros, ou naquilo que chamam de “guerra
econômica”, ou nos governos anteriores a um regime que já tem vinte anos de
governo. Nós não colocamos a culpa em ninguém de fora ou agente externo, é a
nossa culpa, é uma crise que nós mesmos criamos mas que não temos mais forças
para conseguir vencê-la.
Quer saber como um venezuelano se sente hoje? Um cidadão que
ama seu país? Muito fácil, leia o livro de Lamentações e verá o retrato fiel da
nossa condição. Vou lhe dar alguns exemplos:
Como está deserta a cidade, antes tão cheia de gente! Como se parece com uma viúva, a que antes era grandiosa entre as nações! A que era a princesa das províncias agora tornou-se uma escrava. Lamentações 1:1
Sua impureza prende-se às suas saias; ela não esperava que chegaria o seu fim. Sua queda foi surpreendente; ninguém veio consolá-la. "Olha, Senhor, para a minha aflição, pois o inimigo triunfou. " Lamentações 1:9
É por isso que eu choro; as lágrimas inundam os meus olhos. Ninguém está por perto para consolar-me, não há ninguém que restaure o meu espírito. Meus filhos estão desamparados porque o inimigo prevaleceu. " Lamentações 1:16
Todos os que cruzam o seu caminho batem palmas; eles zombam e meneiam a cabeça diante da cidade de Jerusalém: "É esta a cidade que era chamada, a perfeição da beleza, a alegria de toda a terra? " Lamentações 2:15
Mas há uma esperança, esperamos na justiça de Deus, porque
ela virá um dia e julgará os que tramaram o mal contra a nação. Clamamos por
misericórdia sim, mas erguemos os nossos clamores para que o Juiz da terra
julgue aos que fizeram todo este mal e nos restaure. Muitos dos refugiados
voltariam se a situação mudasse, outros – como nós, embora nunca fomos
refugiados – temos decidido permanecer onde estamos porque acreditamos que é a
vontade de Deus, e porque desde aqui podemos ajudar os nossos irmãos.
Todavia, lembro-me também do que pode dar-me esperança: Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumidos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se cada manhã; grande é a tua fidelidade! Digo a mim mesmo: A minha porção é o Senhor; portanto, nele porei a minha esperança. O Senhor é bom para com aqueles cuja esperança está nele, para com aqueles que o buscam; é bom esperar tranquilo pela salvação do Senhor. Lamentações 3:21-26
Por isso, mesmo que a oração dos refugiados de qualquer
parte do mundo seja igual a esta:
Levantemos o coração e as mãos para Deus, que está nos céus, e digamos: "Pecamos e nos rebelamos, e tu não nos perdoaste. Tu te cobriste de ira e nos perseguiste, massacraste-nos sem piedade. Tu te escondeste atrás de uma nuvem para que nenhuma oração chegasse a ti. Tu nos tornaste escória e refugo entre as nações. Todos os nossos inimigos escancaram a boca contra nós. Sofremos terror e ciladas, ruína e destruição". Lamentações 3:41-47
Podemos clamar assim:
Tu, Senhor, reinas para sempre; teu trono permanece de geração a geração. Por que motivo então te esquecerias de nós? Por que haverias de desamparar-nos por tanto tempo? Restaura-nos para ti, Senhor, para que voltemos; renova os nossos dias como os de antigamente, Lamentações 5:19-21
Olhe para o refugiado com misericórdia, nos ajude neste
momento tão difícil e não os veja como um fardo. Hoje eles precisam de você, da
sua ajuda, compaixão e contribuição. Corte as mensagens xenófobas e que
ridicularizam o estrangeiro. É tempo de demonstrar o amor de Deus aos que mais
precisam.
O único que pedem é dignidade.
Aos que permanecem no país, todo o nosso apoio e orações,
ficar no país num momento como este é tão duro quanto sair. Mas o que decide
ficar tem todo o meu respeito e consideração, e o encorajo a colocar as bases
da Venezuela que desejamos para os nossos filhos e netos, um país de progresso,
um país que caminha no temor no Senhor, uma terra de irmãos e de perdão, um
lugar onde todos se sintam mais uma vez acolhidos e amados. Que das cinzas
possa brotar a terra de graça, como um dia Colombo chamou a nossa amada nação.
E colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda. "Então o Rei dirá aos que estiverem à sua direita: ‘Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram’. "Então os justos lhe responderão: ‘Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar? ’ "O Rei responderá: ‘Digo-lhes a verdade: o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram’. Mateus 25:33-40
Que Deus abençoe você, e lutemos também por um Brasil
melhor, mais justo, onde o melhor do brasileiro seja o que floresça nos tempos
de adversidade. Que Deus abençoe Venezuela, que Deus abençoe o Brasil e as
nações que têm nos acolhido.
[1]
Agradeço à equipe do Dep. Bezerra Jr pela autorização das citas bíblicas que,
embora sejam de domínio público, ele as procurou, e isso é mérito dele.
[2] https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2018/08/boatos-alimentam-conflito-com-venezuelanos-em-regiao-de-fronteira.shtml
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